Por elaine tavares
O trabalhador dedica sua vida ao trabalho, por mais de 30
anos. É sério, pontual, responsável, faz tudo como manda o figurino. Então, por
conta de uma impensada e autoritária medida, vê seu mundo girar em
ponta-cabeça. Num átimo, se vê aos gritos com um professor que jogou seu nome
na lama. Sente-se mal, sofre, busca lá no fundo da alma a serenidade para
seguir fazendo o que sempre fez até que venha a aposentadoria. Coisa que muitos
esperam, agora, com franca ansiedade. "Não precisava disso agora, no fim
da minha carreira".
O clima e tensão foi vivido no CSE, na manhã de quinta-feira.
O chefe do departamento de Contabilidade, Luis Felipe, foi aos jornais da cidade para
denunciar que, ali, trabalhadores estavam fraudando as folhas-ponto, depois que
uma portaria da administração central alterou o cotidiano do atendimento das
coordenadorias de curso. Confrontado por um grupo de trabalhadores ele manteve
sua denúncia e disse que vai até o fim para que se cumpra a lei.
O clima no CSE se multiplica por toda a UFSC. Como a
universidade tem cursos nos três turnos, os trabalhadores, ao longo dos anos,
foram adequando sua jornada de trabalho às demandas dos cursos. Se há que
atender à noite é preciso atuar em turnos. E isso sempre foi feito assim. A
vida de centenas de pessoas estava organizada dessa maneira.
Com a portaria baixada pela reitora Roselane Neckel, a ordem
era o atendimento comercial, de oito horas, deixando à margem centenas de
alunos que estudam à noite e que trabalham. Muitos trabalhadores decidiram que
não iriam excluir esses usuários da vida da UFSC e seguiram trabalhando em
turnos.
Em meio a tudo isso existe uma greve de ocupação, na qual os
trabalhadores decidiram trabalhar em turnos de seis horas, mantendo a UFSC
aberta nos três turnos. Mas, a decisão da assembleia é de que aqueles que
aderirem à greve não devem assinar o ponto, não porque não queiram o controle,
mas porque estão em greve.
Todas essas situações tem gerado o caos na universidade. Há
os calvinistas, que querem a moralidade pela moralidade, há os que são moralistas só com de "abajo", há os que querem
manter a UFSC aberta por que tem "pena" dos estudantes, há os que
lutam pela bandeira histórica da redução de jornada, há os que querem atacar a
administração, há os que defendem a administração sem criticidade. Tudo isso
misturado tem provocado cenas como essa vivida no CSE. Trabalhadores de
décadas, cumpridores de seu dever, que se sentem humilhados por estarem colocados
numa vala comum de "vagabundos" ou "fraudadores".
É uma situação que não precisaria ter chegado onde está.
Quase uma guerra entre as categorias. Técnico-administrativos ofendidos pelas
acusações do professores prometem uma caça às ilegalidades. "Vamos ver
quem está dando aula certinho, quem está cumprindo horas de pesquisa, quem está
fazendo extensão? Vamos vigiar os colegas? Vamos caçar o deslize do
outro?"
Tudo isso poderia ser resolvido com uma boa dose de diálogo,
que é o que pedem os trabalhadores. A universidade tem especificidades. Não é
um estabelecimento comercial. A jornada de trabalho deve atender às demandas
dos usuários, que são os estudantes, técnicos e professores, além da comunidade
em geral. Há coisas acontecendo o tempo todo. Não se pode fechar às seis.
Afinal, há aulas até Às 22. A administração deveria ter a sensibilidade de
perceber que errou ao baixar uma portaria sem discutir antes com os
trabalhadores. Deveria suspender a portaria e abrir o diálogo. Assim,
professores como esse que denunciou colegas no CSE poderia compreender melhor a
batalha pelas 30 horas, e os TAEs poderiam organizar de forma mais adequada o
atendimento. Até porque os técnico-administrativos não fazem apenas atendimento
ao público, eles também pesquisaM e fazem extensão. Muitas vezes, a jornada de
trabalho invade os sábados, os domingos, as noites e ninguém ganha mais por
isso.
Mas, enquanto a reitoria segue disputando força com os
trabalhadores, a vida cotidiana vai ficando rota. Colegas de anos mal se olham,
mágoas se acumulam e o ambiente de trabalho fica doentio. Uma triste realidade
para um lugar que deveria ser a casa do saber.
E assim, a greve segue, abrindo a UFSC e pagando o preço por
isso.