Daniel, de camisa preta, foi incansável na greve das 30 horas e agora é punido por isso.
Notícia da exoneração do trabalhador Daniel Dambrowski, que
foi um dos líderes da greve das 30 horas em 2014, mobiliza os técnico-administrativos
da UFSC. A medida de desligamento do trabalhador, que à época da greve estava
em estágio probatório, segundo consta no processo, foi encaminhada pela reitora
Roselane Neckel, nos últimos dias de mandato.
O começo
Os trabalhadores técnico-administrativos da Universidade
Federal de Santa Catarina fizeram história em 2014 quando deflagraram uma greve
de ocupação. Em vez de parar os trabalhos, como é normal nas greves, eles
ofereceram ainda mais opções de horário para a comunidade. Era a greve da luta
pelas 30 horas, na qual os trabalhadores se organizaram e garantiram que a
universidade atendesse das 7 da manhã até às 22h sem interrupção, com a
montagem de turnos de seis horas.
A greve foi deflagrada depois de um longo processo de luta
que incluiu um relatório completo sobre a situação funcional da UFSC, apontando
a possibilidade concreta dos turnos de seis horas, que significaria redução de
jornada e ao mesmo tempo mais opção de horários para usufruto da comunidade. Os
trabalhadores entendiam que os avanços tecnológicos criados pelo homem já
permitiam a redução de jornada, bem como a estrutura da UFSC já se prestava a
isso. Não se baseavam no nada, e sim no decreto lançado em 1995 (decreto
1.590), que definia ser possível a flexibilização de jornada nos
setores que permanecessem abertos por mais de 12 horas ininterruptas.
Naqueles dias, a reitoria era comandada por duas mulheres -
Roselane Neckel e Lúcia Pacheco – que inclusive tinham sido eleitas com
propostas mais à esquerda. Mas, contraditoriamente foram as dirigentes mais
violentas contra os trabalhadores. Mesmo tendo aprovado a criação do grupo
Reorganiza, para estudar a implantação das 30 horas, terminado o relatório, a administração
se recusou a reconhecê-lo. Foram muitas as tentativas de conversa, reuniões e
diálogo que não encontraram eco nas reitoras. A greve foi, então, inevitável.

A greve das 30 horas foi um dos mais bonitos movimentos dos trabalhadores da UFSC nos últimos tempos. Levantou em luta, principalmente os
mais jovens, os que entraram depois da longa noite de destruição das
universidades vivida durante o governo de FHC. E, como não era uma greve que
parava os trabalhos, foi acolhida de maneira surpreendente pela comunidade. A
universidade vibrava com a movimentação dos trabalhadores que, além de garantirem
a abertura da UFSC das 7 às 22h, ainda realizavam uma série de atos buscando o
diálogo com a reitoria.
Foi também a greve que mais ataques recebeu por parte de uma
administração. A reitora Roselane Neckel fugia de qualquer contato, sempre
enviando seu chefe de gabinete para a realização do “trabalho sujo”, que era de
reprimir e invisibilizar a luta dos trabalhadores. Não reconhecia que a UFSC
tinha condições de trabalhar em turnos e não aceitava os resultados do grupo de
trabalho Reorganiza, que ela mesma criou. Pela primeira vez na história da UFSC
um dirigente criminalizava a luta dos trabalhadores, entrando na justiça.
Roselane nunca reconheceu que havia uma greve, cortou salários de quem estava
no movimento, outra coisa inédita, e mandou dar falta injustificada para todos
os grevistas.
Até aí tudo dentro da “normalidade”, afinal, greve é um
risco. Mas o que ficou de perplexidade foi ver uma dirigente desconhecer uma
luta tão forte e inédita, na medida em que ampliava o trabalho, para o melhor
conforto da comunidade. E foi tanta dureza, e ataques e violência, que os
trabalhadores encerraram a greve, derrotados. A universidade voltou a fechar no
horário do meio-dia e os estudantes do período noturno voltaram a ficar sem as
secretarias de curso e as pró-reitorias.
O pós-greve também foi traumático. Nunca um setor de pessoal
fora tão agressivo e duro com os trabalhadores. Ainda assim, depois, com muita
batalha, foi possível reverter parte do abuso praticado pela administração que cortara
o ponto de quem nunca havia parado de trabalhar. A própria justiça deu ganho de
causa aos servidores, pois como era uma greve de ocupação, não poderia ter
havido falta. Mas o salário não foi devolvido, e nem as faltas foram eliminadas ainda.
Contudo, a guerra da administração contra os trabalhadores não
parou por aí. Havia que perseguir e derrotar no cotidiano as jovens lideranças
que haviam assumido o comando da luta pelas 30 horas, a despeito do Sindicato
que praticamente se omitiu. E assim, começaram a aparecer os casos de violência
e assédio nos locais de trabalho. Vários trabalhadores que tinham sido protagonistas da greve chegaram a adoecer gravemente, tendo, inclusive, que se afastar do
trabalho por causas médicas. Alguns tiveram de se afastar, outros ficaram, a duras penas, enfrentando o cotidiano de assédio. Foi um tempo de grande tristeza, pois os ataques
aos lutadores também colocavam medo nos demais trabalhadores. A paz na UFSC era
de cemitério.
Em 2015 a universidade viveu eleições para reitoria e a
então reitora Roselane Nekel foi derrotada fragorosamente, ficando em quarto
lugar na disputa. Assumiu em maio de 2016 o professor Luis Carlos Cancellier.
Contra os trabalhadores, tudo!
Mas, a herança de violência da administração passada não
haveria de acabar aí. Surpreendentemente, na primeira semana de dezembro, um
dos jovens líderes da greve das 30 horas, que na época estava em estágio
probatório, é chamado na Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas para ser avisado que
seria exonerado no dia 9 de dezembro. A expulsão da universidade do trabalhador
Daniel Dambrowski fora possivelmente o último ato da reitora Roselane Neckel,
antes de sair. O motivo para isso foram duas avaliações negativas recebidas
pelo trabalhador.
Quando alguém está em estágio probatório, precisa passar por
três avaliações. A primeira, quando Daniel não estava ainda mergulhado na luta,
foi boa. A segunda, quando Daniel estava inclusive, dispensado de parte da
jornada de trabalho para participar do grupo Reorganiza, com portaria assinada
pela própria reitora, foi ruim. E, de maneira irregular, foi assinada por uma
única pessoa, quando a comissão precisa ter três pessoas. Naqueles dias, como Daniel
estava mergulhado no trabalho de diagnóstico da UFSC, os membros do grupo de
trabalho, no qual tinha também representantes da administração, fizeram uma
avaliação muito boa do seu trabalho e encaminharam para ser registrada. Pois
ela não foi considerada. Para efeitos de avaliação do trabalhador, contou
apenas a que fora feita de forma irregular e que o reprovava.
O final da greve, a perseguição e a violência adoeceram
Daniel e ele precisou se afastar para tratamento de saúde. Assim que a terceira
avaliação feita depois do seu retorno acabou selando a sua exoneração. Mesmo
estando afastado ele foi avaliado, e negativamente. Ou seja, pagou por adoecer.
E não uma doença qualquer, mas provocada pelo assédio violento desde a greve e depois
dela.
De maneira surpreendente, mesmo com todas as denúncias
feitas, a Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas, agora dirigida pela trabalhadora
Carla Búrigo, deu sequência ao processo. Para fechar, encaminhou à Procuradoria
uma consulta sobre o caso. A pergunta feita aos procuradores já deu o veredito.
O registro foi: considerando que o trabalhador em estágio probatório teve duas
avaliações ruins, considera-se ele estável ou não? A resposta não poderia ser
outra. Claro que não. Mas, em nenhum momento foi explicado que as duas
avaliações feitas no período do trabalho do Reorganiza e depois da greve estavam
irregulares.
A saída, como sempre acontece quando a burocracia é mais
forte que a verdade, foi a mobilização dos colegas. Uma assembleia foi chamada
e, com a presença do reitor, o caso foi relatado. A exoneração de Daniel é uma
medida política, de punição, que não leva em conta as regras estabelecidas pela
própria instituição. O processo está eivado de vícios. As avaliações foram irregulares.
No começo da conversa a pró-reitora e o próprio reitor deixaram
claro que a decisão da Procuradoria não tinha como ser revertida. Por ser da
área do direito, o reitor insistia que ele mesmo não poderia reverter o caso
com uma canetada. “Há que cumprir as regras e os procedimentos legais”. E foi
justamente esse o argumento de todos os trabalhadores que se manifestaram. Se
há que seguir as regras, e elas não foram seguidas no processo, como dar
seguimento a uma clara injustiça?
Ao final da assembleia, que se foi até a uma hora da tarde,
o que se conseguiu foi que o processo agora estará nas mãos do advogado de
Daniel e que ele terá um período de tempo para fazer sua defesa, coisa que não
foi concedida no período das avaliações. Nesse sentido, a exoneração, que
deveria ser oficializada nessa sexta-feira, está suspensa até que o processo
retorne. A partir daí novas medidas serão tomadas.
Para os colegas – que conhecem a história de luta de Daniel
Dambrowski – fica uma certeza: a medida foi política e injusta, e a luta pela
sua estabilidade vai seguir. Assim como ele – junto com outras jovens
lideranças - não abandonou os
trabalhadores na histórica luta das 30 horas, agora tampouco ficará sozinho.
Somos todos Daniel. A injustiça não passará.